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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A inocência da fé

Era sempre um dia muito especial e esperado pelo ano todo. Um dia que iríamos ver a procissão marítima da Nossa Senhora dos navegantes.
Era parte do ritual jogar moedas durante a passagem da imagem da santa (moedas essas que posteriormente eram objetos de um obstinado mergulho de resgate) e que era anunciada por um foguetório e sendo conduzida por embarcações coloridamente ornadas com bandeirolas de papel de seda, sendo, portanto, um sinal de reverência e promessa de bonança financeira.
O próprio trajeto até a área da capitania era parte esfuziante do evento. Relacionado com a única saída programada dos nossos pais sendo este uma rara ocasião, e assim seguíamos juntamente com uma quantidade grande de pessoas da vizinhança até o local, conduzidos por nossos avós reconhecidamente por nós como pais empoderados, éramos então quatro netos como filhos considerados e assumidos.
Ele, o avô/pai com idade avançada com seu chapéu feito de feltro andava meio aos trôpegos, mas definitivamente resignado...  quanto  á ela, avó/mãe, lembro ser esta uma oportunidade impar que se permitia tirar o inseparável avental das lidas do lar, certificando-se sempre que as chaves da casa estavam em seu poder.
A casa, antes de sairmos era precavidamente fechada, a energia elétrica desligada e minuciosamente assim confirmada. E havia também um cão, chamado Tigre que com certeza deveria ser este o seu dia mais feliz, pois estar solta de suas amarras era um fato único.
Mas para mim, havia ainda uma relação com o local que implicitava fatos velados de minha origem paternal e, assim sendo, me emprestava de alguma forma uma orgulhosa importância secreta.
A prainha de água morna e de onde não deveríamos passar da altura da cintura estava impregnada de uma atmosfera lúdica. De magia. De esperança. E até de uma felicidade inquietante como as marolas que libertavam nossa algazarra e sorrisos.
Como se aquele dia feliz e esperado de um 2 de fevereiro longínquo, fosse capaz de reverberar para sempre e pudesse ser guardado nos recondidos da memória infantil para ser usado quando as forças faltarem ou o rumo se perdesse num futuro de incertezas.

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